Minha nada mole vida de imigrante – uma saga sem data para terminar

Acabo de chegar da polícia e posso finalmente respirar aliviada – tenho em mãos meu passaporte com o visto permanente colado. Este é o desfecho de uma batalha longa, cansativa e que nos deixou em estado de tensão durante quase um mês inteiro.

Tudo começou em março, quando nós compramos as passagens pro Brasil. Geralmente é mais barato comprar com antecedência e além do mais eu tinha certeza de que meu visto sairia antes da viagem, em agosto próximo. Para garantir que meu visto sairia a tempo, dei entrada nos papéis no final de março, quando na verdade poderia ter dado entrada no final de maio. A policial que me atendeu disse que não haveria problemas e que meu visto sairia antes de agosto. Na Noruega não é permitido que imigrantes viajem para fora da Noruega enquanto esperam por um visto.

No início de junho meu marido telefonou para a polícia só para saber como estava o andamento do processo. Para nossa total decepção, a atendente ficou até chocada com a pergunta: “Vocês deram entrada no visto em março e já esperam que ele seja concedido? Impossível, o processo costuma demorar de 7 a 9 meses.” Preocupados pelo fato de não receber o visto como estávamos esperando, o Morten resolveu escrever uma carta à polícia solicitando que meu requerimento tivesse prioridade. Como justificativa, ele escreveu que eu não fui ao Brasil ano passado quando meu avô faleceu por motivos financeiros e que havia esperado até agora para poder ir. Enviamos a carta e dois dias depois veio a resposta: meu requerimento não teria prioridade por que o motivo não era plausível o suficiente. Ficamos muito chateados, a nossa tão esperada viagem ao Brasil parecia que não iria se realizar. Eu não tive coragem de contar para o meu pai.

Mas, meu marido não se conformou com essa resposta e telefonou para a polícia novamente. Ele conseguiu falar com o funcionário que assinou a decisão e expôs todos os motivos e dificuldades que tivemos ano passado e que impossibilitaram minha ida ao Brasil em ocasião do falecimento do vovô – não havíamos vendido a casa, eu acabara de começar em um novo emprego, faculdade, etc. Um outro motivo citado foi o fato de que meu visto sempre vence exatamente no meio de junho, e como eu tenho que dar entrada em abril/maio, acabo sempre tendo que ficar na Noruega para esperar a decisão. Junho, julho e agosto são os meses de férias de verão por aqui e para o meu marido também é difícil tirar férias em outros meses do ano. O funcionário pareceu ter compreendido melhor o nosso caso. Ele sugeriu que o Morten enviasse uma outra carta pedindo que o caso tivesse prioridade novamente. Depois de quatro horas de trabalho, a carta ficou pronta e a enviamos. Dois dias depois recebi um telefonema da polícia: meu visto havia sido concedido e eu teria que entregar meu passaporte na polícia. Na terça-feira passada entreguei meu passaporte e acabo de recebê-lo com o visto permanente colado.

Porém, isso não significa que minha saga de imigrante tenha chegado ao fim. Meu passaporte vence em abril do ano que vem e por isso vou ter que solicitar uma nova etiqueta no novo passaporte quando renová-lo. Além do mais, tenho que me apresentar à polícia a cada 2 anos para provar que ainda moro na Noruega. Em dezembro posso entrar com pedido de cidadania norueguesa se eu quiser e creio que vou acabar fazendo isso, pois recebi confirmação da embaixada brasileira aqui que é permitido ter dupla cidadania. O bom de se pedir a cidadania é que eu posso viajar para fora da Noruega enquanto espero o visto sair e com passaporte norueguês não vou precisar me apresentar na polícia a cada 2 anos. Ainda vou ter que pegar muita fila e driblar a burocracia dos dois países até regularizar minha situação de imigrante. Essa vitória eu devo primeiro a Deus e ao meu marido jornalista que escreveu cartas impecáveis e conseguiu convencer o funcionário da UDI. Eu jamais teria conseguido sozinha.

Se melhorar, estraga

Esta semana minha vida se resumiu a dormir, acordar, estudar, dormir, acordar e estudar. Finalmente ontem fiz minha última prova e agora é esperar as notas. Conforme escrevi na postagem passada, já tenho um emprego garantido para o semestre que vem. Eu estava na verdade esperando uma proposta da escola em que estou trabalhando em Frøya, mas como a tal da proposta não veio, eu acabei aceitando mesmo a da escola aqui perto.

Mas, não é que tinha mais uma surpresa guardadinha pra mim?

Terça-feira recebi um telefonema da minha professora de Literatura e Cultura de Países de Língua Espanhola. Ela perguntou se eu iria continuar estudando no semestre que vem e eu respondi que sim, que iria fazer ciências sociais.
Então ela diz:
– Que bom, por que tenho um convite pra te fazer. Você quer trabalhar conosco como estudante assistente do departamento de espanhol no semestre que vem?

Primeiro eu achei que estava sonhando e logo em seguida disse sim, claro que aceitaria o convite.
Depois ela me explicou que um requisito para ser estudante assistente é, claro, estar estudando, por isso que ela havia perguntado sobre os meus planos primeiro. O trabalho consistirá em dar aulas de prática e acompanhamento para estudantes que estão fazendo espanhol na faculdade.
Ainda não tenho muitos detalhes sobre quando e quantas horas vou trabalhar, mas só o fato de ter recebido o convite é absolutamente maravilhoso. Vou ter então trabalho a semana inteira, mas vou conseguir conciliar com os estudos.

Agora, fico imaginando se eu tivesse aceitado a proposta de Frøya – não poderia ter aceitado esse emprego na NTNU! Deus escreve mesmo certo por linhas tortas. E essa não é a primeira vez que isso se comprova.

Cadê o tempo?

Sexta-feira passada fiquei em Frøya depois da escola porque meu marido viajou para lá de noite para limparmos a casa. O comprador assinou o contrato no sábado e agora falta só entregar as chaves, o que deverá acontecer nas próximas semanas. Já nesta quinta eu vou dormir em um hotel, por que a nossa casa está vazia agora e trouxemos o carro de volta para Trondheim. Nem acredito que me livrei do estresse de dirigir debaixo de tempestades de neve e estradas escorregadias. Morando no hotel vou poder ir a pé para a escola, já que ficam praticamente lado a lado.

Com tantos compromissos por causa da casa perdi um valioso final de semana, pois só trabalhei. O final de semana que vem também será agitado, pois vamos para Oslo para comemorar o aniversário de um aninho da afilhada do meu marido. Vamos viajar num trem que parte de noite, então resolvemos ficar numa cabine com cama e banheiro. Estou ansiosa para ver como que é, nunca fiz isso antes. Na volta vamos pegar um avião. Isso é ótimo, pois assim terei tempo de descansar antes da segunda-feira. Na terça é aniversário do meu marido, e já me comprometi a fazer um bolo de aniversário para ele levar pro trabalho.

No sábado escolheram a canção que vai representar a Noruega no concurso Eurovision. Não creio que esta canção terá alguma chance de vitória, havia algumas um pouco melhores, mas na minha opinião não acho que a Noruega repetiria o sucesso do ano passado com nenhuma das músicas concorrentes.

Para compensar, deixo aqui a concorrente francesa de 2008, a divertidíssima “Divine” de Sebastién Tellier, que virou até comercial da Renault.

Semana incomum

Estou escrevendo do barco que me levará até Frøya. Felizmente, depois de dois dias doente em casa com algum tipo de virose, eu estou bem melhor. Faltei na faculdade (detesto isso!), mal conseguia fazer os serviços domésticos e estava morrendo de medo de estar doente hoje e faltar no trabalho onde mal comecei.

Agora já posso dar a notícia mais aguardada por mim e por meu marido: vendemos a nossa casa em Frøya! 🙂 Finalmente, depois de muito trabalho reformando, anunciando, aguentando comentários sarcásticos dos vizinhos, vendemos a casa pelo preço que queríamos e vamos sair do bairro de cabeça erguida. O bom é que na Noruega eles publicam no jornal todas as vendas de imóveis, quem vendeu, quem comprou e quanto pagou, então os vizinhos vão ler sobre a nossa casa e vão engolir todos os comentários idiotas.

Ironicamente, eu não vou me despedir de Frøya ainda, pois estou trabalhando lá e depois que entregarmos as chaves aos novos donos estarei sem teto…então o jeito vai ser morar em hotel temporariamente e depois tentar alugar um quartinho por uma noite.

Agora acho que vou encerrar,por que o barco está saracoteando muito por causa das ondas. Meu estômago ainda não está 100%, então melhor não arriscar.

Em estado de graça – meu dia chegou!

Foram pouco mais de três anos nada fáceis, nos quais tive que amargar o fato de que, ao mudar para a Noruega, teria que abdicar de toda minha experiência profissional no Brasil e trabalhar com o que aparecesse. Tive patroas e colegas maravilhosos que me ajudaram e outros que não foram tão legais comigo. Tive que acordar às 4 horas da madrugada e ir trabalhar, dirigi sobre estradas cobertas de gelo, o carro derrapou para fora da estrada, enfim, daria para escrever um livro (o livro não saiu, mas tenho um blog onde está tudo registrado).

Há uns dois meses me cadastrei na página de uma empresa de recursos humanos e dois dias depois recebi um telefonema solicitando que eu comparecesse a uma entrevista. Finalmente minha experiência como professora no Brasil e minha competência em idiomas parecia ter impressionado uma empresa norueguesa de recursos humanos, que me recrutou.

Depois de algumas oportunidades de emprego que não pude aproveitar por causa dos horários da faculdade e das provas, eis que há duas semanas recebi uma proposta irrecusável para ser professora de inglês. A maior ironia é que a vaga é em Frøya, a ilha onde moramos quando cheguei do Brasil! Vou trabalhar dois dias por semana, com despesas de hospedagem, alimentação e transporte pagas. Vou poder ir à faculdade e não vou mais precisar trabalhar de noite. Não precisei pensar muito para aceitar.

Falei com o diretor da escola na segunda-feira e ele me ligou na terça de manhã para dizer que o emprego era meu. Uma coisa que me marcou é que ele disse que eu falo um norueguês impressionante. Parece que aquele mito de que imigrantes tem mais chance de conseguirem um bom emprego por falarem um bom norueguês do que por apresentarem muitos diplomas é verdadeiro. Pelo menos se mostrou verdadeiro para mim.

Vou lecionar quatro classes a princípio e ontem eu fui conhecer meus futuros alunos. Já tenho minha escrivaninha na sala dos professores e a maioria dos funcionários já se apresentou. Na próxima semana vou assumir as classes. Vou continuar a limpeza no jardim de infância até quarta-feira e então me despedir da minha carreira de faxineira na Noruega. Não descarto a possibilidade de ter que voltar a limpar, mas sei que com um emprego de professora no currículo minhas chances de continuar sendo professora vão aumentar.

Agradeço imensamente a Deus, ao meu marido pelo apoio, a todos que acreditam em mim, estejam vocês perto ou longe e a mim mesma, pela paciência e por eu nunca ter perdido a fé e a esperança de que meu dia iria chegar.

E para encerrar, não resisti – para mim, não tem música que represente uma vitória mais do que essa: